Capítulo 11
Estado de Espírito Imperial
Serena encarava-se através de um pequeno espelhinho, enquanto penteava com suavidade seus longos cabelos louros em um movimento contínuo. Noventa e sete. Noventa e oito... Contava. Quando chegou ao cem, soltou um suspiro demorado e relaxado, sorrindo, e largou os fios dourados, que caíram-lhe pelo peito e pelas costas.
Até que focou novamente no espelho e notou algo atrás de si. Ela se aproximou do espelho para ver melhor, e percebe uma criatura das trevas a observando por trás, como se estivesse apenas aguardando o momento certo para atacar. Uma criatura maligna prestes a cometer uma chacina.
— AHHHH! — gritou ela.
Quando olhou para trás, sorriu novamente.
— Espurr, você estava aí o tempo todo? — a menina pegou o Pokémon no colo como um bichinho de pelúcia, enquanto a criaturinha mantinha sua expressão estática na face. —
Serena saiu do cantinho do quarto onde estava e virou-se para Calem e Charlie, que estavam sentados, concentrados em algo. Charlie concordava ou não com coisas que o outro falava, enquanto este ia rabiscando um bloquinho de papel a cada momento.
— Vocês estão escolhendo um lugar para almoçarmos? — indagou a garota.
— Na verdade — disse Calem fitando um bloquinho. — estamos vendo os lugares em que o Charles não roubou ainda. Depois disso, escolheremos o lugar para almoçarmos. — ele prosseguiu. — Restaurante Le Yeah?
— Já. — respondeu Charlie de prontidão.
Calem ticou um item da lista.
— Pois bem, pelos meus cálculos, podemos almoçar... — ele folheou o bloquinho, em seguida o jogou para trás. — Na lua.
Serena deu uma risadinha.
Apesar da maneira com que eles se tratam, eu tenho a impressão de que somos mesmo amigos. Quero dizer, eles passaram a se aturar, e fico feliz por causa disso. Talvez eu tenha sido a responsável por eles estarem fazendo uma forcinha, mas o importante é que eles, mesmo discutindo, pelo menos fazem o possível para evitar as brigas.
— Deixa disso. — retorquiu Charlie. — Se não me engano tem um restaurante que chama Restaurante Le Nah que inda não tive a oportunidade.
— O.K. Irei avisar o professor! — disse Serena.
Os dois a encararam.
— Avisar o professor? — perguntaram em uníssono.
— É. — ela respondeu, teclando no telefone. — Eu disse que almoçaríamos com ele hoje, para continuarmos nossa conversa sobre a Pokédex!
Os dois assentiram, embora não parecessem tão empolgados. Cada qual pegou seus pertences — e pediram para Charlie devolver as coisas que provavelmente ele tinha furtado antes. — e desceram as escadas do Centro Pokémon, saindo pela porta de vidro e se deparando com as ruas imensas e movimentadas de Lumiose mais uma vez.
O Restaurante Le Nah era um dos restaurantes mais simplistas de Lumiose, (por “simplista” está implícito que ainda é bem mais chique que diversos outros restaurantes de outras partes de Kalos) além de ser um dos únicos disponíveis devido ao fato de o apagão da metrópole ter coberto grande parte dos restaurantes da cidade.
O estabelecimento era marrom escuro, com uma estrela de ouro no topo. A estrela, segundo Charlie, significava a qualidade do restaurante. Quanto maior o número de estrelas, mais refinado era. Ao adentrar, uma música ambiente suave rodeava o local, cujas paredes iam de tonalidades mais claras às mais escuras de bege. O aroma dos pratos sendo prontos os fazia salivar a cada vez que um sino tocava.
Encontraram uma das mesas vazias e se acomodaram. Charlie, é claro, tomava todo o cuidado para evitar que o vissem. Nunca se sabe. As cadeiras eram confortáveis, e não tardou para que um garçom viesse atendê-los. Optaram por aguardar um pouco o professor Sycamore aparecer.
Enquanto isso, Calem puxou seus próprios talheres de sua mochila. Afinal, nada mais higiênico. O problema era sempre convencer os donos do restaurante a prepararem sua comida no próprio prato que ele tinha trazido. Porém, seus amigos já estavam bem acostumados com isso e sequer se importavam muito.
— Tem certeza que não quer que a gente saia sem pagar, princesa? — indagou Charlie. — Os preços aqui são um roubo!
Calem deu uma risadinha.
— Trocadilho inteligente. — saudou.
— Não se preocupe, Charlie. — ela sorriu meigamente. — Ficará por nossa conta, como sempre. Aposto que papai não vai se incomodar, desde que eu esteja comendo bem.
— Você já parou para pensar na possibilidade de ele analisar a conta bancária? — indagou Calem, limpando os próprios talheres com um paninho.
— Qual seria o problema? — perguntou a menina em seguida.
— O problema seria — ele desviou os olhos do afazer e encarou os orbes azuis da prima. — ele reparar que estamos gastando em coisas para três pessoas. Três reservas, três refeições…
Serena olhou de soslaio para Charlie, sinalizando para o primo que não era uma boa ideia.
— Charles, entenda que não tenho nada a mais contra você. — disse, enfatizando algumas palavras. — Mas, de fato, o pai de Serena consegue ultrapassar a concepção de “chato” que você define a mim. O motivo pelo qual estou me arrastando no mato é para proteger Serena de más companhias. E creio eu que ele não ficará exatamente “feliz” ao saber que estamos na companhia de um garoto que mal conhecíamos. — ele explanou. — Aliás, que ainda mal conhecemos.
— Mas que é isso? — indagou Charlie, acomodando-se para trás. — Vocês me conhecem.
— Charlie, você sabe que eu gosto muito mesmo de você. — Serena começou. — A verdade é que você fala muito, mas não diz nada. Você nos dá a ideia de um passado tão triste, porém você é tão… Feliz… Isso não me faz muito sentido.
Charlie ajeitou a postura, um tanto incomodado.
— Princesa, viver do passado não é nada saudável. — ele respondeu. — Não posso sofrer por coisas que me aconteceram antes, se a felicidade agora me bate à porta, compreende? O importante é que tenho plena confiança em vocês, e vocês em mim. Eu não os trairia, correto?
Os primos fitaram-se discretamente, combinando exatamente as mesmas expressões, não muito convencidas. Charlie começou a ler — o que mais parecia uma tentativa de se esconder. — um cardápio.
Eu não gosto de dar ouvidos ao Calem quando ele fala mal do Charlie. Não gosto. Mas desta vez me restou apenas concordar com meu primo. Um defeito meu é dar ouvidos demais à minha empolgação, a meu sentimento. Agora me parece perigosa a ideia de ter confiado em um pleno estranho para conviver, para dormir perto, para nos guiar. Só que se o Charlie nos quisesse fazer mal, ele já o teria feito. Certo…?
Quebrando o silêncio perturbador da mesa, a menina começou a se revirar na cadeira, procurando um ângulo melhor de visão, desviando das várias cabeças e procurando um local mais visível da porta de vidro e das janelas.
— Que carro é aquele parando? — indagou Serena.
— Se você reparar, tem vários carros que param a cada instante. — respondeu Calem, sem nem olhar para trás, visto que estava de costas para a entrada.
— Sério, Cal, esse carro é diferente. — disse ela. — Ele é enorme, cheio de janelinhas. E por quê tem tanta gente em volta? Tem até uns seguranças.
Charlie levantou o olhar.
— Essa é uma cidade muito bem vista pelos famosos, princesa, eles sempre estão transitando por aqui. Por outro lado… — ele se virou, ao notar a gritaria externa. — Isso tá barulhento até pra mim.
Calem suspirou em desprezo.
— Será que não posso ter um almoço em paz?
Quando as portas do restaurante se abriram, foi como se Kalos inteira parasse para observar aquela figura que adentrava o estabelecimento. Uma moça de caminhar delicado, como se estivesse desfilando sobre uma passarela. As vestes todas brancas, com adornos dourados de jóias raras, cabelos castanhos perfeitamente alinhados em um corte de princesa, e olhos azuis brilhantes. Serena seria capaz de dizer que ali estava um anjo, vindo passar uma mensagem divina para os mortais.
Ela permaneceu parada na entrada, enquanto todos a observavam, boquiabertos. Em seguida, arqueou uma das sobrancelhas e moveu seus lábios, dando a oportunidade de uma voz linda e suave, como uma melodia angelical, dizer:
— O que foi, nunca viram uma mulher entrar em um restaurante? Continuem comendo seus pratos nojentos e parem de me encarar. — suspirou, guardando os óculos escuros que repousavam em suas mãos dentro da bolsa. — Esta é exatamente a parte ruim de comer em um “restaurante popular”. Ter que aturar a plebe.
Serena fez cara de quem comeu e não gostou.
— Quem é ela?
Charlie ainda estava boquiaberto demais para falar, mas entre os murmúrios sem sentido, ele conseguiu formular uma frase:
— “Ela” é Diantha… A Campeã de Kalos, modelo internacional, e sem dúvidas a mulher mais linda, poderosa, uber, ultra e mais um pouco do continente.
Calem repousou os talheres em seu prato, perfeitamente polidos, brilhando.
— E daí?
— “E daí”? Calem, ela é a Campeã… Seu último obstáculo para o título de Mestre Pokémon!! Se você conseguir todas as insígnias, e passar pela Elite dos Quatro, você enfrentá-la... Ela é tipo o chefão do jogo!
Uma gotinha de suor escorreu enquanto Calem forçava para não arregalar os olhos.
— Na verdade eu esperava pior. — ele falou, com simplicidade.
— Pior como? — indagou Charlie.
— Não sei, talvez um cara de cabelo vermelho espetado com várias máquinas e aparelhos ligados ao corpo, liderando um Pokémon lendário.
— Não viaje, Calem. Isso é impossível. — retorquiu o outro rapaz.
Serena fitou a moça, por uma brecha entre os seguranças que se dispunham em roda em volta de sua mesa dela. Então aquela era a pessoa mais forte de Kalos? A pessoa mais forte de Kalos era uma mulher? Aquilo a deixou contente, e talvez um pouco esperançosa. E se algum dia fosse ela, no lugar de Diantha?
Naquele instante o professor Sycamore entrou dentro do restaurante, ajeitando seu jaleco, com seu jeito charmoso de caminhar. Correu o olhar pelas mesas, com os olhos semicerrados, procurando pelos jovens. Ao encontrá-los, esboçou um sorriso, que se desfez instantes depois ao ver a mesa alguns metros à frente cercada por seguranças.
Ele sequer precisou ver quem estava no meio para saber. Os seguranças em posição já diziam isso. As pessoas se matando do lado de fora para tirar fotos diziam isso. Todos olhando já dizia isso. Ele se aproximou, e sentiu uma mão enorme tocar em seu peito, como uma muralha que o impedia de avançar. Era possível ver o olhar ameaçador por baixo dos óculos escuros.
— Vá. Embora. — a voz, que mais parecia um trovão, lançou o aviso.
— Sou apenas um amigo. — ele respondeu. — Gostaria de cumprimentá-la.
Diantha imediatamente virou seu pescoço, se deparando com o professor. De todas as piores caretas que uma moça linda daquelas poderia fazer, ela certamente escolheu a pior de todas.
— Augustine? — indagou ela.
— Diantha. — ele respondeu. — Dando uma volta na Cidade das Luzes? A propósito, estamos sem luz na parte Norte, não acha que está na hora de dar um jeito nisso? — provocou.
— F-falarei com algum responsável. — ela respondeu, um tanto incomodada. — Agora, se incomoda em me dar licença? Estou almoçando.
Sycamore levantou as mãos, como um falso pedido de desculpas, mas antes que pudesse se retirar, os seguranças o levantaram e colocaram para fora da roda com tremenda facilidade. Ele caminhou para a mesa onde os rapazes estavam, cumprimentando enquanto andava.
— Você falou com aquela mulher? — disse Serena espantada. — Que fantástico! Vocês são amigos?
— Amigos é uma palavra um tanto forte. — balbuciou Sycamore, rindo. — Vocês já pediram a comida?
— Será que a gente pode falar com ela também? Nossa, ela parece uma estrela de cinema! — exclamou a loura.
— Ela é uma estrela de cinema também. — respondeu Augustine — Portanto, praticamente é impossível alguém não a conhecer.
Calem, que permanecera em silêncio até então, levantou-se e caminhou em direção à roda de seguranças. Antes de ser retirado, ele encarou Diantha por uma frestinha entre dois caras, e a viu encarando-o também.
— Com licença, senhorita, posso fazer um pedido? — disse, fazendo os seguranças se prepararem para removê-lo, como um inseto indesejado.
— O que quer, rapazinho? — indagou Diantha, forçando um sorriso.
— Segundo as regras, você não pode recusá-lo… — falou ele. — Então, me enfrenta em uma batalha? — pediu com simplicidade.
Todos ficaram praticamente surpresos com o pedido corajoso — e estúpido. — de Calem, inclusive a própria moça, que arregalou os olhos ao ouvir o pedido.
— B-bem… As regras dizem que não posso recusar uma batalha, desde que você tenha oito insígnias e tenha derrotado a Elite dos 4. O que, suponho, que você não fez, certo? — ela respondeu, forçando novamente um sorriso, mas ainda deixando transparecer incômodo.
Calem fingiu estar decepcionado.
— Ah, desculpe, eu não sabia. — falou, suspirando. — Porém, você não pode fazer uma batalha amigável comigo? Só como treinamento, eu ficaria extremamente honrado. Já é uma honra estar respirando o mesmo oxigênio que Diantha, mas batalhar contra ela seria…
Diantha balançou a cabeça.
— Hm… Uma outra hora, rapazinho. Tenho uma agenda lotada de coisas a fazer agora. — ela falou, sinalizando para seus seguranças a levarem. — Peça para embrulharem, Tom, comerei no caminho. Este lugar é horrível.
Diantha se virou de costas e marchou em direção à porta com seus vários seguranças, novamente sendo recepcionada por uma chuva de flashes de câmeras, e a costumeira muvuca Porém, ela já estava acostumada. Nesse mesmo intervalo de tempo, Calem retornou tranquilamente para sua mesa, sem sequer reparar os olhares atônitos dos amigos para ele.
— Calem, com todo o respeito… Mas você é idiota? O que pensava que estava fazendo? — indagou Charlie, incrédulo.
— Ela é uma especialista, Cal. Se ela aceitasse, você estaria perdido! — exclamou Serena.
Calem jogou a cabeça para trás, suspirando.
— Foi um erro calculado. — ele respondeu. — Eu sabia que ela não ia aceitar, apenas queria testar uma tese. — ele encarou o professor com o canto do olho. — Você sabe do que eu estou falando, não sabe?
Serena olhou para Augustine.
— Do que vocês estão falando? — perguntou ela.
Sycamore pigarreou, e passou a mão pelos cabelos castanhos.
— Diantha não é como qualquer Campeã, e não é apenas por ser uma estrela de cinema. — falou o professor. — Ela é um caso à parte.
— Porque… — começou Charlie, incentivando.
— As pessoas alcançam o cargo após batalhar contra o Campeão atual e vencer, certo? — disse Augustine. — Mas Diantha nunca conquistou o cargo.
Eles se espantaram ligeiramente.
— Já sabemos que os treinadores estão cada vez menos numerosos em Kalos. — continuou Calem. — Chegou a certo ponto em que ninguém conseguiu ganhar do campeão por três gerações.
— E quando ninguém vence o Campeão, seu herdeiro assume o trono e permanece até que alguém o vença. E caso contrário, um herdeiro do herdeiro assumirá. No caso, ela. — concluiu Augustine.
Serena inclinou a cabeça para o lado. Isso significava que Diantha não era uma mulher super guerreira, que priorizava as batalhas, os combates.
— E por que ela não deixa o cargo? — perguntou a garota.
— Ela não pode. Está fadada a essa função até que tenha um descendente, ou até que alguém a derrote. O que, sinceramente, — respondeu o professor, alisando seus cabelos castanhos com a mão. — espero que não tarde a acontecer. Ela pode ser uma linda princesa, porém não é uma rainha.
A garota refletiu sobre aquelas palavras. Charlie repousou sua mão na costas da menina, que sequer reparou. Antes que falasse qualquer coisa, Sycamore logo mudou de assunto. Não por mal, nem intencionalmente, ele realmente não parecia incomodado de falar sobre aquilo. Disparou:
— Oui, Eu convidei um amigo para o almoço. Espero que não se importem.
...
— QUÊÊÊ? COMO ASSIM EU “NÃO SOU FASHION O SUFICIENTE”? PRA SUA INFORMAÇÃO, EU SOU MUUUUITO FASHION, OK?! MUITO MAIS QUE VOCÊ, COM ESSA ROUPA MARROM COM TEXTURA. PARECE QUE CATOU O TAPETE LÁ DE CASA E REMENDOU DUAS MANGAS!!
Katheryn e Aldrick estavam na boutique mais aclamada de Lumiose, ou até mesmo de toda Kalos. Ou melhor, estavam em frente à boutique. A loja era seletiva, ela deixava apenas os clientes que fossem julgados como “fashions” entrarem e comprarem. A vendedora, é claro, não obteve muito sucesso ao tentar barrar Katheryn.
— Senhorita, peço perdão, mas são as regras de nossa Boutique. — ela balançava as mãos, tentando acalmá-la.
— NÃO VOU DEIXAR VOCÊ FALAR COMIGO ASSIM NÃO! MAS QUER SABER? VOCÊ NÃO MERECE MINHA PRESENÇA DIVOSA, FASHION E CHARMOSA NESSA LOJA AÍ! KATE BERRY ESTÁ SE RETIRANDO DO RECINTO. E NA PRÓXIMA, USA UMA TIGELA DIFERENTE PRA CORTAR ESSE CABELO, QUERIDA!
A morena saiu pisando duro, com Aldrick atrás dela, tentando acalmá-la. Estavam na Avenida Vernal, uma das mais belas de Kalos por possuir algumas das lojas mais refinadas da cidade. Infelizmente, a maioria estava fechada devido ao blecaute. Kath recostou sobre uma árvore e encarou a Torre Prisma ao longe, quando percebeu uma garota passar por si, fazendo o caminho oposto, em direção à boutique. A menina aproveitou para avisá-la de longe:
— Garota, é melhor não tentar entrar nessa loja, eles não deixam ninguém entrar. — falou.
A outra parou de andar
— Eles deixam apenas as pessoas mais elegantes entrarem, não me admira que você ficou para fora. — respondeu.
Katheryn tomou um susto com a resposta, fazendo uma careta. Ela caminhou vagarosamente em direção à garota, retirando sua boina:
— Aldrick, segura meu chapéu. — pediu.
— Kath, você não vai nos meter em encrenca, vai? — perguntou o louro, já ciente da resposta.
— Shh… Kath foi embora. — disse ela sem olhá-lo, com a cabeça levantada e uma pose se impondo. Apenas metralhou algumas palavras que responderam-no: — Agora é Kate Berry.
— Era isso que eu temia. — falou.
A morena foi em direção da outra menina. Reparou que esta outra era loura, usava um longo sobretudo que ocultava um poucos suas vestes por baixo. Kate não sabia exatamente o que ela vestia por baixo, dava apenas pra ver que era pontudo e cheio de glitter.
— Escuta aqui, fofinha. — disse Kate. — Quem é você para ousar falar assim com uma diva? As pessoas são mal educadas assim no planeta em que você comprou essa roupa?
A outra abriu a boca, como alguém que acabara de ser esfaqueada.
— Espera só eu tirar meus óculos. — e tirou o item, revelando olhos esverdeados raivosos. — Pronto, agora repete, queridinha.
— Fofa? Querida? Ai, droga, ferrou. — comentou Aldrick, de longe. — Será que vai ter puxão de cabelo?
Kate riu:
— Quem é você na fila do pão, meu amor? — perguntou.
— Eu? Eu sou apenas…
Ela jogou o sobretudo roxo no chão, mostrando um vestido branco, com coisas que pareciam diamantes feitos com o material da roupa. Algo um tanto exótico, se comparado com o que as demais pessoas vestiam na rua.
— Ra-ra-ah-ah-ah. Rama-ramama-ah. Gaga-oh-la-la. — a frase veio acompanhada de uma coreografia, que somada com o figurino e a voz marcante da garota, foi um golpe direto para Kate.
— Por que eu tenho a sensação de que isso vai dar uma treta maligna? — sussurrou Aldrick, novamente para si mesmo.
— Nomezinho difícil, hein. — disse Kate, um tanto ingênua. — Pois aposto que você não vai querer se meter com uma Garota de Azalea, certo? — disse, avançando.
— Isso não é uma forma de se tratar uma Lady! Espera só eu estapear essa sua Cara de Poker! — respondeu Gaga, se aproximando até que as duas ficassem coladas de frente para a outra.
Era como se entre os olhares fuziladores de ambas estivesse um raio que seria capaz de queimar qualquer coisa que tentasse passar no meio delas. Como duas estrelas da música prestes a se encarar em um duelo épico.
— Garotas, garotas, garotas… — falava Aldrick enquanto corria na direção delas. — Não há necessidade de brigar em um lugar como Lumiose. Vamos, sintam o cheiro de amor no ar.
Ele puxou Katheryn, que acabou cedendo com a força do rapaz. A loura virou-se de costas e ambas soltaram um suspiro de desprezo simultâneo. Kath arrancou seu chapéu das mãos do amigo e encaixou-o sobre seus cabelos pretos.
— Não precisa falar duas vezes. Não vou me misturar com essa gente. — disse a garota.
Ela parou para observar a menina tentar entrar na loja. E, é claro, ser barrada também. Precisava apenas ter aquele sabor, aquela vingança. Quando a senhorita aproximou-se da vendedora, esta fez uma expressão de total assombro, como se estivesse assustada. Katheryn começou a rir, porém fora interrompida pela fala da senhora:
— Senhorita, que combinação ousada! Artística! É tão individual, tão única! Por favor, adoraremos que você visite nossa boutique. — disse.
Naquele momento, Kath quase machucou os pés de tanto que seu queixo caiu. Gaga virou-se para ela, com uma risadinha.
— Isso ainda não acabou, Gagá. — gritou Kath, chacoalhando os punhos.
— Ah não, Katezinha. Isso está apenas começando. — disse a menina, entrando na loja.
...
“Espero que vocês não se importem”.
De fato, eu não me importaria. Porém, quando o tal amigo chegou, senti uma energia estranha rondar o ambiente. Aparentemente fui a única, mas estava certa. Aquele seria um dos encontros mais perturbadores de minha vida.
Um homem alto chamou a atenção das pessoas quando adentrou o restaurante. Vestia um terno castanho escuro, detalhado algumas vezes com a cor laranja, em um tom próximo de seus cabelos rebeldes que disparavam em tufos de sua cabeça e na barba, como a juba de um Pyroar. Porém, era como se seus olhos azuis de tom azul lembrassem as zonas oceânicas mais profundas e misteriosas, escondendo algo capaz de causar medo em qualquer um que olhasse.
Sycamore acenou, e o homem focou-lhe o olhar, sorrindo e acenando de volta. Já não era necessário procurar mais. O homem caminhou calmamente até a mesa onde o professor e o trio estavam. Quando chegou, permitiu-se fazer uso de sua voz, que mais parecia um rugido grave:
— Desculpe-me pelo atraso. — falou simpaticamente, puxando uma cadeira.
Augustine balançou a cabeça, e em seguida apresentou os jovens, que o cumprimentaram normalmente. Porém, quando o ruivo passou os olhos por Serena, permaneceu por alguns instantes fitando a loura. Os dois pares de olhos azuis ficaram frente a frente. O par de Serena que lembrava o céu, e o par de Lysandre que lembrava o mar. Em seguida, o homem disfarçou, apresetando-se:
— Meu nome é Lysandre, também sou um cientista, embora não pareça. — brincou.
— O Lysandre é o dono do Lysandre Labs, que cria ótimas invenções. — disse Sycamore, chamando o garçom. — Entre elas o Holo Caster.
Enquanto faziam os pedidos, Calem deixou-se perguntar:
— O que é “Holo Caster”?
Lysandre sorriu:
— É um aparelho que desenvolvemos para a comunicação. — falou. — Ele transmite hologramas, como mensagens privadas ou até mesmo noticiários. É uma ferramenta que passamos anos trabalhando, e finalmente pudemos colocá-lo em prática.
A conversa fluiu. Os pratos chegaram, enfim, e o grupo, que àquela altura já estava morrendo de fome, finalmente se alimentou. Sycamore e Lysandre eram amigos de longa data, desde a infância, aparentemente. Conforme foram se especializando em diferentes áreas da ciência, cada qual se estabeleceu em grupos de pesquisas diferenciados. Augustine recebeu o cargo de Professor de Kalos, enquanto Lysandre executava projetos privados.
Vez ou outra, um dos dois adultos gargalhava, deixando os jovens um tanto encabulados. Sycamore elogiava constantemente o trio — mais especificamente os primos Windsor. — o que deixava Lysandre curioso. Em determinado momento, virou-se novamente para a loura:
— Qual o mesmo o seu nome, pequena? — indagou, com a voz mansa.
— Serena. — disparou a garota.
— Serena. — ponderou Lysandre por alguns instantes. — Que lindo nome.
Ela agradeceu meio envergonhada.
O ruivo ensaiou por alguns instantes, até sorrir para a garota mais uma vez:
— Jovem Serena, permita-lhe fazer uma pergunta.
Ela assentiu, evitando transparecer o incômodo.
— Você certamente está deleitando-se de sua bela idade, da juventude tão cheia de magia para explorar o mundo… — falou, com um tom aéreo, como se estivesse contando uma história. — Então, se pudesse… Você escolheria ser jovem para sempre? — ele perguntou.
Calem, Charlie e o professor conversavam entre si, portanto não ouviram a pergunta. Enquanto isso, as palavras rondaram o ar, até entrarem aos poucos pelos ouvidos de Serena, dançando em sua mente.
— Jovem… Para sempre…? — analisou a menina, deixando as palavras escaparem de seus lábios.
O tom de Lysandre era tão assustador, mas as palavras pareciam um doce saboroso que me fora oferecido. Imagine só, ter uma eternidade para aproveitar a vida, sem nunca perder nada, nunca perder as energias? Porém, um arrepio me percorreu ao ter essa ideia, como se algo dentro de mim me alertasse de que talvez não fosse assim um sonho tão positivo.
— Isso é possível? — indagou a menina.
— Oh, não, não. — Lysandre riu. — São apenas alguns devaneios de um cientista sonhador. Mas certamente o mundo seria lindo se a beleza fosse mantida para todo o sempre… Ou então, se acabasse em apenas um instante, para que a beleza nunca termine. — ele refletiu. — Uma pena que esteja se tornando um local tão… Degradante.
— Senhor Lysandre, claramente não tenho tanto conhecimento quanto você… E admito que parece um sonho ser imortal… — começou Serena, com sua voz doce. — Porém, acredito que a vida seja um ciclo… E a mortalidade faz parte dele. Todas as épocas possuem sua beleza e seus pontos fracos… Cabe a nós aproveitar o lado bom de cada uma. — ela falou, um tanto tímida.
Pôde perceber o maior coçar a barba, revelando um pequeno sorriso de canto.
— É uma filosofia de vida mágica, jovem Serena. — concluiu o homem, cruzando os braços. — Admito que você me fascina. Já se imaginou dentro de um grupo com um ideal comum?
A menina inclinou a cabeça para o lado.
— Um grupo? — perguntou.
— Nem adianta, Lysandre, esse peixe eu já pesquei. — interrompeu Sycamore, entrando na conversa. — Ela está encarregada de pesquisas minhas, não vou liberá-la para você. — brincou ele.
— Acho que fui lento demais. — concordou Lysandre, levantando os ombros.
Novamente continuaram conversando. Porém, Serena ficou refletindo sobre as palavras do ruivo. Afinal de contas, ele não parecia simplesmente estar curioso. Parecia querer algo mais. Parecia que vira alguma coisa nela na qual a própria não fora capaz de ver. E ao mesmo tempo sentia um calafrio. Foi quando o homem se levantou, alongando os músculos.
— Parece que minha hora chegou, senhores. Agradeço pela refeição, vocês são, sem dúvidas, uma ótima companhia. — falou ele, buscando algo em seu bolso. — Adorarei presenteá-los com isso.
Tratava-se de um retângulo feito de metal e plástico, com uma tela e uma espécie de câmera acoplada, com vários botõezinhos. Os três garotos ficaram encarando o objeto concedido, até perguntarem, em uníssono:
— Isto é um…
— O Holo Caster, sim. — respondeu ele com uma risada. — Assim poderei manter contato com vocês quando necessário.
Serena prontificou-se:
— Não podemos aceitar, senhor Lysandre. Não sem pagá-lo, ou algo do gênero.
— Por favor, aceitem, não quero nada em troca. Por enquanto. — completou, dando de costas e começando a caminhar em direção da portal. Ele parou, e virou a cabeça alguns graus para os quatro, com um pequeno sorriso disfarçado. — Digamos que vocês ficam apenas me devendo uma.
...
O professor Sycamore despediu-se, e ele mesmo encarregou-se de pagar a conta, junto de Lysandre — mesmo sabendo que os primos poderiam bancar sem problemas. Ele saiu apressado, lembrando-se de um compromisso, e o trio ficou sozinho no Boulevard Sul de Lumiose. Juntos, é claro, da multidão que caminhava apressada pelas ruas.
Começaram a caminhar para próximos do Centro Pokémon, conversando. Serena ainda estava animada, como sempre, porém, sempre que se lembrava de Lysandre, sentia algo estranho percorrer-lhe a mente, como um pressentimento. Charlie a incentivava a continuar se divertindo, até que reparou em algo.
Metros à frente, entre dois estabelecimentos, parecia que alguém os observava. Não conseguiu ver detalhes, porém, o sujeito logo desapareceu nas sombras do beco em que se encontrava. Virou-se de costas, e notou que outra pessoa parecia encará-lo, mas começou a andar, e logo desapareceu de vista. Ao levantar o olhar, outra pessoa que até então estava encostada em uma sacada, entrou no prédio em que estava, disfarçando.
Ele sabia o que era aquilo. Sabia o que significava. E sabia o que aconteceria muito em breve. Limitou-se a pedir para que os amigos acelerassem a caminhada. E mais uma vez, Calem e Serena sentiram que Charlie lhes escondia alguma coisa.
Porém, estavam perto demais de descobrir o que poderia ser.
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